terça-feira, 13 de outubro de 2009

No ônibus

Como em todas as manhãs, Julio esperava no ponto de ônibus. E, como sempre, lia seu jornal, enquanto aguardava pelo dito cujo. Várias outras pessoas também aguardavam pelo coletivo, e se aglomeravam em blocos; alguns de braços cruzados ou ouvindo música; outros comendo algo, ou escorados nos ferros de sustentação. Não era um ponto de ônibus pequeno, era por se dizer, grande até. Mas a quantidade de pessoas que lá estavam, deixava o lugar um pouco apertado. Ali passavam duas linhas de ônibus: um que ia para o bairro, e outro que ia para o aeroporto. Para Julio, tanto fazia qual iria pegar, pois descia antes do final da linha de qualquer um deles, e o trajeto era igual para ambos até certo ponto. E como em todas as manhãs em que ia para o trabalho, o ônibus demorou, e como de hábito, ele olhava para os ponteiros do relógio que se distanciavam de um número ao outro rapidamente. E, claro, estava atrasado.
Tudo estava no mais perfeito atraso, quando todos avistaram a mulher do outro lado da rua. Não era uma mulher como todas as outras, pelo contrário: ela conseguiria chamar atenção mesmo que estivesse num lugar com mil pessoas. Tudo isso por causa de seu jeito despreocupado e desajeitado de andar, sem haver a mínima tentativa de aparentar certa discrição, ou talvez, leveza ao caminhar. Essa era sua forma natural de agir. Ela não era obesa, mas tinha muitos quilos a mais em seu corpo de estatura baixa. Julga-se não ser nada educada, pois mal atravessou a rua, abriu sua bolsa - enroscada em seu corpo como uma serpente - e de dentro, tirou uma quantidade grande de papéis, que não teve a menor dúvida em jogá-los por ali mesmo. E pela rua afora voavam papéis de bala, folhetos amassados, tickets de ônibus, como se tivessem asas e fossem lindas borboletas soltas pelo ar - o que de fato, não eram. Ouviram-se murmúrios e reclamações ao longo do ponto de ônibus. As pessoas estavam chocadas com tamanha falta de respeito. Todo o trabalho de conscientização que é feito pela mídia, envolto na sensibilização da população quanto ao lixo que produzem, pelo visto, não chegara aos ouvidos ou olhos dessa mulher. Houve um rapaz que gritou dentre as pessoas: Lixo se põe no lixo minha senhora. Óbvio que a mulher não iria deixar por menos. Ao chegar à parada, chegou chegando: com sua cara rabugenta, esbarrando nas pessoas, tentando atravessar a multidão que se aglomerava cada vez mais. O lixo é meu e eu coloco onde eu quiser, e depois de dizer isso se seguiu um palavrão ofensivo a mãe do corajoso rapaz que ousou recriminar a senhora mal educada. Todos fizeram sons de desaprovação. E mesmo assim, a mulher seguia dando importância alguma a opinião que as pessoas estavam tendo dela. Julio que continuava em pé, com o jornal aberto, já não conseguia mais prestar a atenção no que lia. Apenas notara de longe sua aproximação que vinha em direção onde estava. Ele tentou agir com mais naturalidade possível. Logo a mulher alojou-se ao seu lado, batendo com sua bolsa e diminuindo o espaço entre ele e o jornal. Julio tentou ignorar a presença da aberração que estava próxima a ele, o que não era fácil, conquanto ela volta e meia fazia-se notar muito facilmente. Fechou o jornal, certo que já não era mais possível ler noticia alguma. A mulher era muito espalhafatosa, e chamava a atenção por ser patética e desleixada. Não havendo mais clima, nem espaço para leitura, guardou o jornal na pasta. Nisso um ônibus apontou no horizonte. E todos resolveram ir bem para frente, para facilitar a entrada no coletivo. Quando Julio pensara, a senhora gorda já havia se enfiado em sua frente, fazendo ele se desequilibrar com a rapidez e a grosseria do gesto. O ônibus parou. As pessoas começaram a entrar na medida do possível. Julio e a mulher foram os últimos. A mulher entrara primeiro e ele, após. O ônibus estava lotado, e o único espaço que sobrou era próximo a porta de entrada. E assim foram: A mulher na frente, batendo e xingando as pessoas à medida que se sentia incomodada, e Julio, atrás dela, levando cotoveladas e sentindo náuseas, pois a mesma também tinha problemas com mau cheiro. O ônibus andava, mas as pessoas pareciam não descer, o que dificultava que ele passasse adiante, tentando enfim, deixar a mulher para trás. Com certo esforço, as pessoas começaram a movimentar-se dentro do coletivo, e desciam em suas respectivas paradas. Julio conseguiu movimentar-se também, mas dependia da mulher para que pudesse chegar mais para frente. Aos poucos, ambos saíram de perto da porta, chegaram perto do cobrador, a mulher xingou o cobrador pois alegava que o troco estava errado, e novas cotoveladas e bolsadas para todos os lados. Passaram a roleta, e a mulher em seguida esgueirou-se para um espaço vago. Julio, que ainda mantinha-se atrás dela, dera graças a Deus que poderia ultrapassá-la e livrar-se de tamanho incomodo. Mas quem disse que havia uma brecha. A mulher posicionou-se de tal forma, que ocupou seu espaço e grande parte do corredor também. Delicadamente, Julio tentara passar, fazendo um pouco de esforço, mas a mulher não se movia centímetro sequer; após, com um pouco mais de força, novamente tentara abrir espaço, mas a única alteração que houve na posição da mulher, foi um giro de cabeça, com um olhar fuzilante para ele. Julio, já estava de saco cheio. Pedira, com licença, mas seu tom de voz não soara bem aos ouvidos implicantes da mulher briguenta. E ela então começou sua ladainha: Mas que absurdo! Um homem empurrando uma mulher! ONDE JÁ SE VIU ISSO? Que falta de respeito! O que você está pensando seu... (duvidara da integridade da mãe de Julio)! Empurrando uma mulher! Covarde, ordinário, seu... (duvidara da sexualidade de Julio...)! No mínimo você deve ter inveja das mulheres, por que você não é uma (...), e queria ser. Seu abusado! Que absurdo! Viado sem vergonha! Onde já se viu isso? ONDE? ... (E continuara com a sessão desaforo...).
Tudo isso foi o suficiente para ele virar chacota dentro do coletivo. As pessoas não sabiam se riam da mulher louca, que urrava enlouquecidamente ofensas contra ele, fazendo gestos largos tentando puxá-lo pela camisa, ou se riam dele, que recebia mudo uma tempestade de xingamentos e palavrões que colocavam em jogo sua dignidade. E todos no coletivo riam sem parar, e alguns inclusive, ajudavam a mulher gritando alguns ai ai ai, ou, dá licença que a mulherzinha quer passar!
Julio puxou a campainha. Seu rosto prendia fogo, não gostava de se meter em baixaria. Nunca passara tamanho constrangimento diante de tantas pessoas em toda a sua vida. Descera umas três paradas antes do que devia, e as pessoas ainda continuavam a rir, e a mulher a gritar. E, agora, estava mais atrasado ainda para o trabalho. Mas de uma coisa estava certo: Nunca mais pegaria ônibus naquela parada.

Um comentário:

  1. Aiiii

    Comecei e não parei até terminar!
    Mas estava torcendo pra essa gorda quebrar o pé!!!

    Hehehehe

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