Dentre os guarda-sóis que se enfileiravam ao longo das areias brancas da praia, o dela destacava-se. Talvez, por seus detalhes nada convencionais - florido, com cores que abrangiam o laranja, roxo, rosa vivo, verde limão, e babados e mais babados. E não somente seu guarda-sol era atração nas areias daquela praia, como também, ela própria: moça, pele muito branca, cabelos vermelhos intenso, diversas tatuagens expostas, estrategicamente, por alguns locais de seu corpo mignon. Sem falar de seu maiô da década de 30, comprado, provavelmente, em algum brechó de Porto Alegre: o mais ousado de toda praia.
E foi nesse ínterim de sol e mar que ele tomou conhecimento dela; figura excêntrica perto das tantas outras que se alargavam ao seu lado com suas toalhas de praia espaçosas, guarda-sóis monótonos, biquínis minúsculos e cavados. Essa disparidade dela em relação ao restante das outras meninas que freqüentavam aquela praia, apenas acentuava seu fascínio. E então, ela se sentara, e após passar seu bloqueador solar, tirara de dentro da enorme ecobag um livro de algum autor cult. E em momento algum parecia interessada em pegar sol, ou jogar-se nas ondas daquele mar azul-quase-incolor; ao contrário, sua leitura mostrava-se mais interessante e viva que aquele fabuloso dia ensolarado. E enquanto todas as outras moças se esbaldavam no sol de escaldar, flertando com os rapazes que passavam, jogando acenos e sorrisinhos marotos, ela não dava a mínima para tudo aquilo: apenas em seu livro mantinha presa sua atenção.
E ele, que estava alguns poucos metros de distância, sentia uma vontade louca de puxar assunto com ela. Mas não o fazia, pois era um rapazinho tímido. E acreditava que seus óculos fundos de garrafa, seu corpo magro e desajeitado e sua sunga vermelha de vários verões, de forma alguma, o ajudariam para início de conversa. Sem saber, cultivava algo platônico: não amor, nem paixão, pois esses ainda desconhecia, mas uma grande atração. E essa atração platônica, era o que o fazia manter os olhos na figura notória que se estendia naquelas areias em pleno fim de janeiro. E era o que o fazia também, observar sutilmente ela virar as páginas do livro, com certa solenidade e precisão - e nem sequer uma piscada de olhos, ou um olhar de relance ela o dava. Nem ao menos parecia perceber sua insignificante presença. Na sua imaginação, sentia-se como um sapo, e ela, uma princesa de um reino distante.
E como é comum em dias de verão, o tempo fechou do nada e a chuva ameaçava cair em instantes. Mulheres, homens e crianças energicamente recolhiam suas tralhas, e rapidamente, a praia se esvaziava. E nessa agitação, apenas ele e a moça continuavam sentados, como se nada estivesse acontecendo. Quando as únicas figuras que se distinguiam entre as areias brancas e o céu cor de chumbo, eram ele e ela, a chuva começou a cair. Ambos, aos poucos, saiam do transe que se encontravam, quando sentiram a chuva fria desabar sobre eles. E, calmamente, a moça guardou seu livro e fechara seu guarda sol; e como por não ter-se algo mais a volta para enxergar, ela o viu. Diferente do que ele imaginava, ela não o repudiou, ao contrário, sorriu, ao mesmo tempo em que seus cabelos se agitavam ao vento, para em seguida, ficarem ensopados pela chuva que desandava; e ele vermelhou; e ela, com o sorriso convidativo ainda nos lábios, correu em direção as ondas, para logo após, lançar-se naquele mar intenso e agitado. E sem pensar, ele correu atrás, e também entrara no mar de águas frias, mas não a achou. E tentou de todas as formas encontrar aquela figura única que facilmente notaria dentre o azul marinho que o envolvia; e sem perceber, distanciava-se cada vez mais da orla. Até que em determinado momento, seus braços e pernas cansaram; e percebera ter nadado tanto, que nem conseguia avistar mais a praia. De repente, sentiu algo envolto em seu pé, e esse algo, puxava-o para o fundo; e desesperadamente se afogava. Com seus braços finos tentava subir à superfície, mas a cada frustrada tentativa, novo gole de água engolia. Até que sem mais forças para continuar, e certo de seu fim, desistiu, e afundou na profunda escuridão do mar. Concomitantemente, um grito apavorado saiu de sua garganta, fazendo todos a sua volta olharem assustados. Não sabia o que tinha acontecido: a pouco estava se afogando, e agora, estava de volta a praia, estendido debaixo de seu guarda-sol, o corpo com insolação pelo sol que pegara. E a moça também continuava lá, agora, lançando-lhe um olhar de desaprovação. E não demorou muito para que ela se levantasse, colocasse seu livro dentro da ecobag, recolhesse seu guarda-sol colorido e fosse embora. E ele, com o corpo ardendo, e ainda se recompondo do pesadelo que tivera, pensara, que assim, realmente, fora melhor para ambos.
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